texto: Catarina Gonçalves fotografia: cedida por Andrew Wilson
Esta entrevista foi feita em 2007 e publicada na primeira edição impressa da revista Tudo Sobre Jardins, ao celebrar o nosso 10º aniversário decidimos até ao final do ano publicar aqui no nosso renovado website alguns dos artigos que fizeram parte do primeiro número da revista.
Prestigiado designer inglês, professor académico, júri no famoso Chelsea Flower Show em Londres, escritor e colaborador de revistas inglesas, Andrew Wilson é o exemplo de que cada vez mais, nas carreiras que escolhemos, temos que nos multiplicar e fazer de tudo um pouco.
TSJ: Pela sua experiência em Inglaterra na área de arquitectura paisagista e design de jardins como é que vê a evolução em termos domésticos do jardim e da preocupação das pessoas?
Eu acho que existe um sem número de razões que contribuem para a maneira como o design de jardins está a mudar. Primeiro, nos últimos dez anos, mais ou menos, o jardim tornou-se uma extensão da casa como os designers de renome Thomas Church e John Brookes previram. O aumento da riqueza e tempo livre contribuíram para esta mudança com as pessoas a investirem mais nas suas casas e no espaço onde passam o seu tempo. O conceito de uma vida ao ar livre e receber os amigos e familiares no jardim vulgarizou-se. Contudo, para muitas pessoas, fazer jardinagem tornou-se menos importante como um hobby – são uma minoria as pessoas que realmente tomam conta dos seus jardins. Isto gera a procura de plantas que não requeiram muita manutenção e uma mudança, especialmente do estilo Inglês de plantação, que durante anos era muito rico requerendo muita manutenção em combinações exuberantes. Estes dois extremos são ambos exclusivos.
Programas televisivos (nos canais britânicos) contribuíram para uma mudança de atitude perante os jardins com muitas pessoas a chegarem à conclusão de que o jardim pode ser divertido, que os materiais podem contribuir para um novo estilo de espaço e carácter e que não têm necessariamente de ser exímios na prática da jardinagem. A adicionar a estas mudanças e estilos de vida, o clima mudou bastante em Inglaterra nestes últimos anos com Verões cada vez mais quentes e Invernos mais chuvosos. O que implica que a escolha de plantas mude e evolua. As pessoas mais velhas ainda preferem jardins muito ricos em termos de plantas mas até estas estão a ter que aceitar as mudanças de clima e a necessidade de menor manutenção em termos de jardinagem.
TSJ: Na sua opinião, acha que a Inglaterra tem um papel a representar em termos de liderança quando se trata da indústria de design e arquitectura paisagista no resto da Europa e talvez mesmo no mundo?
Eu ainda vejo a Inglaterra como um líder mundial em termos de jardins mas contudo, por razões citadas anteriormente, os jardins no Reino Unido estão a fugir um pouco à tradição do jardim floral. O design contemporâneo é agora mais aceite e apreciado especialmente pelos mais jovens. Esta abordagem tem mais a ver com uma panóplia de plantas mais simples e um estilo mais minimalista. Eu acho que o desafio tanto para designers como para horticultores está em responder a estas novas tendências, produzindo plantações com elevada qualidade. Os designers têm de mudar a sua abordagem e virar-se mais para o novo em termos de planos detalhados de construções e acabamentos. Pela evolução dos festivais de jardins como o mundialmente famoso RHS Chelsea Flower Show, nos passados 10-20 anos a história é curiosa e envolvente. Designers como Christopher Bradley Hole e Tom Stuart Smith estão a mostrar como a nova filosofia de design ainda cria interesse e excitação para o novo e mais contemporâneo jardim Britânico.
TSJ: Como é que a sua experiência de ensino a arquitectos e designers mudou a sua perspectiva em termos de design e trabalho privado e qual foi o maior desafio?
O meu trabalho como designer, escritor e professor complementa-se com bons resultados, alimentando-se uns dos outros e produzindo uma abordagem mais racionalizada. Muitos designers simplesmente desenvolvem ideias e o processo criativo continua um mistério. No ensino de design de jardins e arquitectura paisagista eu tentei explicar, justificar e reflectir sobre como a criatividade acontece, porque é que algumas ideias são fracas outras fortes, como é que algumas funcionam e como lidar com soluções menos efectivas. Ajuda-me no meu processo criativo, simplifica e clarifica produzindo melhores soluções. O interessante é que os estudantes, talvez por causa de uma certa ingenuidade produzem de tempos a tempos ideias incríveis, ideias estas que me inspiram e que me fazem pensar sobre o meu trabalho de maneira diferente. O ensino no seu melhor é dinâmico, inspirador e enriquecedor, o sentimento de ter apoiado uma nova geração de designers é muito satisfatório, promovendo a profissão no futuro. A escrita ajuda como suporte do ensino e do design. É um processo muito mais analítico, as ideias passadas para papel são muito mais permanentes e potencialmente influentes. O conceito de explicar mais claramente ideias que são essencialmente abstractas é um desafio e ao mesmo tempo um fascínio.
TSJ: Em que aspectos é que o design de jardins é diferente da arquitectura paisagista?
Como arquitecto que agora trabalha como designer de jardins eu sinto que facilmente posso responder a esta questão. A palete de materiais é essencialmente a mesma, mas designers produzem respostas diferentes dependendo se o projecto for público ou privado. O espaço público precisa de ser planeado para qualquer eventualidade porque não é possível antever como é que o público em geral vai aderir a um determinado espaço. Materiais precisam de ser robustos e duradouros e as plantas precisam de ser de baixa manutenção e sustentáveis por um longo período de tempo. Jardins privados são mais cuidados e protegidos, o que significa que os materiais usados podem ser mais delicados como por exemplo vidro, com acabamentos mais especializados. As plantas podem ser mais complexas e com mais manutenção, correndose mais riscos com espécies por vezes menos resistentes. Escala na dimensão do trabalho é uma das maiores diferenças, enquanto em arquitectura paisagista a norma é espaços públicos e grandes espaços comerciais, quando o arquitecto e o designer trocam de papeis isto representa um desafio para ambas as partes. Outra diferença é o facto do designer de jardins normalmente trabalha para um cliente ou uma família, enquanto o arquitecto tem clientes comerciais ou ligados ao sector público que já têm um determinado orçamento só dedicado aos espaços verdes. Isto vai influenciar muito a maneira como o design é desenvolvido, principalmente quando o arquitecto, qualquer decisão que toma em termos de projecto, tem que passar por um comité ou grupo de directores.
TSJ: O que é que acha da evolução em termos de cursos e licenciaturas especializados nestas áreas e que importância tem para si o facto de se ter uma formação académica?
Duas coisas aconteceram nos últimos 15 anos. Primeiro, o design de jardins mudou de estatuto passando dum número limitado de escolas privadas para estar actualmente ao alcance de todos em Universidades públicas e reconhecido como licenciatura e Curso de Pós Graduação, principalmente no Reino Unido. Eu apoio esta mudança e a expansão no reconhecimento de garden design como uma profissão. A dificuldade continua a ser que o design de jardins permanece uma profissão bastante individualista trabalhandose por conta própria e desenvolvendo a sua própria prática. Existem poucas empresas de grande escala que empreguem licenciados, e estes por vezes trocam de profissão ou vão mais para a área de arquitectura paisagista. Segundo, a arquitectura paisagista perdeu alguma popularidade tendo menos alunos todos os anos nas Universidades e uma quebra de profissionais qualificados. Muito dos cursos combinaram arquitectura paisagista e design de jardins, explorando as duas áreas e os seus pontos em comum.
TSJ: Existe um futuro para profissionais em Garden Design ou acha que cada vez mais temos que nos multiplicar e trabalhar em diferentes áreas ao mesmo tempo?
Definitivamente existe um futuro no design de jardins. O desenvolvimento e sucesso na sua prática requer muitos anos de trabalho e investimento. O designer tem que escolher o seu mercado, ou se dedica mais ao público em geral com esquemas mais acessíveis e um mercado maior ou se dedica mais a clientes privilegiados com esquemas mais caros e um mercado menor. Como resultado, muitos dos designers trabalham em part-time em paisagismo, por exemplo, por razões económicas e como abertura a novos mercados. Muito importante para um designer é a publicidade, muitos dos esquemas em que trabalha são privados portanto poucas pessoas vão realmente ter acesso ao trabalho final. Escrever livros ou artigos em revistas especializadas, por exemplo, é um óptimo meio de publicidade que paga dividendos no futuro.
TSJ: Como júri do famoso festival RHS Chelsea Flower Show quais são as suas principais preocupações quando está perante um projecto de jardim?
Eu sou júri do Chelsea Flower Show há 12 anos. O meu papel está dividido em duas partes. Primeiro faço um levantamento do jardim em detalhe com mais
dois colegas e juntos propomos uma marca a dar ao projecto e sugerimos a medalha a dar relacionada com essa mesma marca. No dia seguinte, antes da abertura ao público, eu e um grupo de júris revemos essa avaliação e votamos na medalha a atribuir. O que estamos à procura de qualidade em todos os aspectos do projecto: o uso e selecção dos materiais; o nível de qualidade em termos de plantação; os acabamentos do designer e construções conseguidas no projecto.
Os designers têm que ter em atenção as fronteiras dos seus jardins para que a sua história possa ser bem entendida pelos visitantes, como só os membros do júri podem entrar no jardim, os visitantes só podem ver do lado de fora. As plantas têm de estar no seu melhor no dia da avaliação. Isto tudo ajuda a manter a reputação a nível mundial do Chelsea Flower Show.
TSJ: Como é que o ser sustentável e ecológico influencia o seu processo de design nos tempos que vivemos?
Sustentabilidade é uma palavra um pouco ambígua com vários significados, o uso de materiais reciclados, uso de materiais provenientes de zonas cuidadosamente geridas, o uso de água das chuvas, a diminuição do uso de materiais em geral, redução da produção de carbono entre outros. Muitos dos designers estão interessados e activamente envolvidos em alguns ou muitos destes assuntos mas muitas vezes as pessoas comuns não têm informação suficiente sobre os assuntos e não têm em consideração estes aspectos nos seus jardins. Contudo se tivermos em conta todos os jardins privados do mundo, estes aspectos tomam proporções muito relevantes. Educar o cliente pode parecer uma atitude paternalista mas proporcionar informação
é essencial e ajuda o cliente a entender di- ferentes soluções. É possível realizar e criar um estilo excitante e sustentável num jardim com designers e arquitectos, sendo necessá- rio explicar e mostrar visualmente isto aos clientes.
TSJ: Até agora qual foi o ponto mais alto da sua carreira?
Eu estou contente por dizer que não tive só um ponto alto na minha carreira, mas sim vários e cada etapa representou novos desafios. E porque gosto de ter uma vida variada isto é ideal para mim. O design de um jardim contemporâneo premiado em 2001 foi definitivamente um dos pontos altos. A publicação do meu primeiro livro The Garden Style Sourcebook em 1989 foi muito excitante mas o meu preferido continua a ser Influential Gardeners publicado em 2003. O ensino é espectacular e ver os estudantes a licenciarem-se e a serem bem sucedidos é fantástico. No entanto, eu acho que a maior satisfação é em mudar o ambiente dos clientes para melhor. As suas respostas às minhas ideias e a maneira como integro o meu trabalho na paisagem é uma satisfação para a vida.
TSJ: O que é que acha que o futuro lhe reserva em termos profissionais?
Eu só espero que as mesmas oportunidades e desafios continuem. Estou a tentar escrever dois livros académicos e dirigidos a um público ligeiramente diferente dos outros, o que é bastante interessante. Gostava também de retomar o meu doutoramento que comecei à alguns anos e continua por acabar. Penso é que preciso de bastante mais tempo.