Texto: Ingrid Brock Fotografia: DR e Viver com Gosto
Que as plantas são seres vivos fascinantes e incrivelmente adaptados, todos sabem. Mas o universo da Botânica também é repleto de lendas, crenças e histórias provenientes do conhecimento empírico popular. Algumas dessas histórias já se comprovaram cientificamente à medida que o saber do homem foi evoluindo e a tecnologia avançando. Por outro lado, algumas ideias que temos sobre as plantas surgiram a partir de interpretações equivocadas da sua própria natureza, mas que ainda assim, por uma série de motivos, se perpetuam até hoje transformando-se em mitos. Vamos analisar alguns deles e procurar desvendá-los.
Quem nunca ouviu aquela teoria de que não é benéfico cultivar plantas no quarto, pois com o aumento da emissão de gás carbónico no período da noite por parte dos vegetais, as plantas seriam responsáveis por criar uma atmosfera tóxica para os seres humanos?
Pois bem, isso não é verdade. Para começar elas não roubam o nosso oxigénio. Esse gás essencial para a respiração é um dos produtos obtidos pela fotossíntese, aquele conhecido processo que a planta realiza para obtenção de energia aquando na presença de luz. Então, a equação matemática dessas reações deixa perceber que, o oxigénio que os vegetais libertam durante o dia, em parte, será utilizado pelas próprias plantas na respiração. Mas, e o gás carbónico libertado? Bem, esse é infinitamente menor do que o gás carbónico que qualquer ser humano exala na sua própria respiração. O mesmo vale para animais domésticos. Então, não temos problema, ninguém vai dormir sufocado por deixar os seus vasos de plantas no quarto.
E se as plantas não intoxicam o ar realizando a respiração, o contrário também não é verdadeiro. Elas tão pouco têm o potencial, há muito creditado, de que purificam o ar ambiente de uma casa. Por essa ninguém esperava! A suposição em torno da purificação surgiu ainda nos anos 80, quando a NASA conduziu um estudo que procurava verificar se as plantas domésticas são capazes de remover toxinas e poluentes de ambientes fechados. E por acaso, o estudo comprovou que sim! Com um único e ínfimo detalhe: num apartamento de 140 m² seriam necessárias cerca de 680 plantas. Simples, porém, quase impossível. Aliás, o mesmo efeito de purificação pode ser obtido simplesmente abrindo a janela e ventilando o local durante o dia. É provavelmente o caminho mais fácil…
Apesar de já antigo e datado, o mito da purificação ainda é levado a sério por muita gente. No entanto, existe um outro mito mais recente que vem ganhando força devido ao crescente número de adeptos ao veganismo, estilo de vida das pessoas que não consomem nenhum produto de origem animal. Esse mito é o de que as plantas não sentem dor. Mas será que isso é verdade? Bem, sim e não. Parece complicado, e é complexo mesmo. Essa afirmação tem o potencial de se tornar, com o passar do tempo, uma meia verdade, pois, à medida que essa ideia se reforça é provável que cada vez mais alicercemos o conceito de que plantas simplesmente não sentem nada. E esse é o problema maior em relação às afirmações muito categóricas. Mas, vamos tentar desvendar. Não há evidências morfológicas de que plantas possuam sistema nervoso, o responsável pela sensação de dor. Mas esse é o ponto de vista dos animais e do que seria a sensibilidade em organismos pertencentes a esse grupo. A verdade é que não existe ser vivo que não perceba o ambiente ao seu redor. Inclusive, esse é um dos fatores determinantes para que possamos considerar algo como vivo: a perceção e reação aos estímulos do ambiente que o cerca. Se partirmos desse princípio então, as plantas reagem todo o tempo às mais diversas condições às quais são submetidas, naturalmente. Há evidências de árvores que libertam gases tóxicos quando o seu caule é cortado, outras “fingem-se” de mortas para não servirem de alimento. Algumas dão o recado de forma clara: são extremamente venenosas. Se isso não for uma tática anti-predador nada mais é. O significado de ausência de dor, no sentido cerebral, não quer dizer que determinado ser vivo esteja sempre à espera de ser um banquete, na realidade, com os recursos que tem, cada um vai defender -se de acordo como evoluiu para tal.
Mitos em torno do reino das plantas são totalmente compreensíveis, afinal, elas são encantadoras e até certo ponto, misteriosas e enigmáticas, tão distantes da nossa natureza humana, que acabamos por lhes atribuir, nem sempre corretamente, culpa ou poderes. Mas normalmente é exatamente isso que fazemos com o que nos fascina ou nos surpreende.
Seres tão especiais, que a única certeza que podemos ter em relação a eles é que ainda temos muito a desvendar.
A autora é brasileira e vive em
Portugal há cinco anos. Bióloga,
mestrado em Engenharia
Agronómica, estuda, observa
e escreve sobre as plantas
ornamentais.