Eis os componentes essenciais à vida: água, luz e alimento.
E então, os elementos que fazem com que todos esses fatores oscilem: calor, frio, sombra, sol, chuva, seca, predadores, pragas, doenças…se viver já é desafiador o bastante, sobreviver é uma arte. Porém é sabido que os seres vivos evoluem, se adaptam e estão constantemente a serem selecionados de forma natural pelo ambiente. Como descrevia Charles Darwin há mais de um século: “A sobrevivência é reservada aos mais aptos”. E não é que as plantas tem artifícios incríveis para contornar as intempéries e inimigos impostos diariamente pela natureza?! Com estruturas como acúleos, pilosidades, cores, aromas, entre muitos outros recursos, elas utilizam estratégias inacreditáveis para garantir a sua sobrevivência e o sucesso reprodutivo, e muitas vezes contam mesmo com uma certa dose de encenação. Talvez no fundo, Darwin também estivesse querendo dizer a célebre frase: o mundo é dos inteligentes!
Um exemplo clássico é o da planta Mimosa pudica, que para muitos é conhecida pelo popular nome de Dormideira. Esse pequeno arbusto perene, originário dos trópicos americanos, desperta a curiosidade de todos devido à sua peculiar sensibilidade ao toque (e também ao calor). Quando tocada, a Mimosa retrai os folíolos e ganha um aspeto de…morta. Isso mesmo, parece que a planta está completamente murcha. Esse comportamento nada tem a ver com o seu nome popular, que remete ao sono da planta, a real intenção é ludibriar os seus predadores, os herbívoros. Quando adquire a aparência mórbida, a Dormideira confunde os animais que queriam transformá-la no seu almoço, entretanto, como é lógico, optam por se alimentar de vegetais frescos, descartando a Mimosa do menu, garantindo a sobrevivência com eficiente atuação, em todos os sentidos.
E o que dizer das tão populares ultimamente: as plantas carnívoras. Géneros como Dionae, Nepenthes e Drosera têm grande procura nas lojas de jardinagem. Pudera! Essas plantas contam com armadilhas nas folhas modificadas para atrair e depois digerir insetos, aracnídeos e até outros grupos de diminutos animais. Na verdade, é quase como como “quem cair na rede é peixe”. Esses vegetais, em regra geral, crescem naturalmente em solos pobres em nitrogénio, e durante um extenso processo evolutivo, “ganharam” a capacidade de complementar a sua alimentação a partir da captura desses animais incautos que lhes fornecem os nutrientes que faltam no solo. E a astúcia das carnívoras vai além de um suplemento insetívoro. Para que a época de reprodução não fosse prejudicada pelas inevitáveis emboscadas nas folhas, as flores dessas plantas costumam estar localizadas no pico de uma haste comprida, distante das folhas, desta forma assegurando que os insetos polinizadores não serão digeridos e conseguirão levar adiante o processo reprodutivo.
Há também um exemplo curioso e muito conhecido de flor que seleciona os seus polinizadores, porém nessa lista ela faz questão de incluir somente moscas e besouros apreciadores de um perfume um pouco duvidoso. A Amorphophallus titanium, conhecida também como Flor-cadáver tem origem asiática e é considerada a maior inflorescência do reino botânico, atingindo até 3 metros. E são 3 metros capazes de exalar um odor que espanta qualquer um: o de carne podre. Mas isso não é problema, pois nas florestas tropicais onde ela cresce naturalmente essa inusitada característica é um verdadeiro bálsamo para as moscas, um dos insetos mais abundantes daquela região. A Amorphophallus soube como atrair o principal polinizador disponível, e garantiu com mestria e uma pitada de mau cheiro a sua sobrevivência.
Nessa extensa lista de vegetais perspicazes não podem faltar os reis da adaptação: os catos. Eles são de áreas desérticas e extremamente inóspitas do globo e acumularam muitas aptidões para sobreviverem em tais ambientes. Já se perguntou para quê tantos picos? Se pensou em algo relacionado à dor, acertou! Essas verdadeiras armas que cobrem toda a parte aérea do vegetal (normalmente não estão presentes nas raízes) são uma mensagem clara e evidente para os seus predadores: se quiser alimentar-se, vai-se magoar. Mas não é só isso, a ausência das folhas que dá lugar aos picos na maior parte das espécies, também reduz consideravelmente a perda de água, capacidade preciosa em regiões onde o líquido mais importante para a sobrevivência é escasso. Económicos e perigosos, porém com grande êxito no que diz respeito à resistência.
Plantas são mesmo donas de uma inteligência evolutiva admirável. Através de táticas minuciosas, armadilhas certeiras e recursos úteis, a natureza deu-lhes habilidades quase perfeitas.
Elas vão-nos mostrando a sua capacidade de adaptação e ensinam-nos despretensiosamente, que nas adversidades crescem, se fortalece, resistem e sobrevivem.
A autora Ingrid Brock colabora com a Revista Tudo Sobre Jardins desde 2021. Brasileira e vive em Portugal há cinco anos. Bióloga, cursa mestrado em Engenharia Agronômica, estuda, observa e escreve sobre as plantas ornamentais.